domingo, 22 de novembro de 2009

Educação se põe na mesa merenda ESCOLAR

Educação se põe na mesa
por Livia Perozim

"Caminhamos para assustadores 30% de obesidade entre jovens" Nutricionista fala sobre a qualidade da merenda e defende que a educação alimentar seja levada para a escola

Os alimentos oferecidos nos refeitórios e nas cantinas escolares são essenciais na formação dos hábitos alimentares dos alunos. Quanto mais saudáveis forem, mais protegem crianças e adolescentes de problemas como desnutrição e obesidade. Só a deficiência de ferro, um dos principais fatores que levam à anemia, atinge 46% das crianças no mundo todo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Se a escola não pode resolver o problema da má alimentação de seus alunos sem a ajuda da família e o apoio de políticas públicas, ela tem nas mãos um prato cheio para ensinar os alunos a comer bem. A começar pela inclusão de temas como nutrição e educação alimentar no menu das aulas. Nesta entrevista a Lívia Perozim, a professora e pesquisadora do Departamento de Nutrição da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, Silvia Cozzolino, afirma que, embora faltem recursos para uma merenda mais balanceada, é possível, e recomendável, que a escola integre os seus alunos na escolha dos alimentos que comem. Para que as mudanças alimentares se concretizem, a nutricionista, que estuda as deficiências de micronutrientes nas dietas de diferentes populações, recomenda que as escolas estimulem o cultivo de hortas e convidem os seus alunos para o plantio e o preparo dos alimentos. Os donos de cantina também fazem parte dessa cadeia alimentar e são convocados a mudar os seus tradicionais cardápios, com alimentos calóricos e de baixos teores nutricionais.

Carta na Escola: Que avaliação a senhora faz do Programa Nacional de Merenda Escolar, tanto em termos de segurança alimentar quanto de valor nutricional?
Silvia Cozzolino: O programa é bem pensado, se consideramos que, muitas vezes, a merenda é a única forma de muitas crianças se alimentarem. E acaba motivando muitas mães a matricular as crianças e mantê-las na escola. Em questão de financiamento, teria de haver uma contrapartida maior do município, para que a alimentação fosse mais balanceada. A verba que o governo federal repassa (R$ 0,18 por aluno/dia e R$ 0,34 para estudantes indígenas e quilombolas/dia) não permite ter uma alimentação nutricionalmente adequada. Ou seja, do ponto visto nutricional, o programa de merenda escolar poderia ser melhor, se houvesse uma conscientização do próprio município em ajudar a geri-lo.

CE: O que falta para que a merenda escolar seja mais balanceada?
SC: Houve um período em que a merenda era centralizada em alimentos derivados da farinha e em alguns produtos prontos, como sopa. Hoje me parece que isso já não acontece mais. Como não estou trabalhando com merenda escolar, não posso dizer com exatidão. A proposta é que a merenda proporcione 15% das necessidades nutricionais diárias do aluno. Na merenda, muitas vezes o que se percebe é uma alimentação monótona, sem variedade, que pode até atingir as necessidades calóricas, mas não atinge as nutricionais. O programa incentiva, por exemplo, que as escolas tenham horta doméstica e produzam alimentos para complementar a merenda. Na prática, o que a gente vê não é isso.

CE: O programa atende alunos da pré-escola ao Ensino Fundamental. Por que não chega aos jovens do Ensino Médio?
SC: Os adolescentes estão numa fase de crescimento e desenvolvimento importante. E deveriam receber a merenda. Suponho que, como não há recursos para atender a todos, o programa procura atender ao menos as crianças.

CE: Quais são as necessidades nutricionais de um adolescente?
SC: São enormes. Como eles estão numa fase de desenvolvimento rápido, todos os nutrientes são importantíssimos. Nessa fase qualquer mineral, proteína e energia são importantes.

CE: É possível detectar carências nutricionais específicas em cada região do Brasil?
SC: Há variações grandes de região para região e de escola para escola. Faz 30 anos que trabalhamos com micronutrientes, avaliando o estado nutricional de grupos da população. Focamos no zinco e selênio, mas estudamos também o ferro, o cálcio e outros minerais. Veja o que acontece com o selênio. Ele é encontrado em alimentos de origem vegetal e pode estar também em peixes. É um mineral importantíssimo, porque faz parte do sistema antioxidante do organismo e pode atuar na glândula tireóide. Como o solo de São Paulo, Mato Grosso do Sul e parte do Paraná é pobre nesse mineral, tudo o que cresce nessas regiões apresenta baixo teor de selênio. Já no Norte, onde tem as castanhas, e também no Nordeste, o solo é rico em selênio.

CE: De uma forma geral, de quais micronutrientes os jovens brasileiros estão carentes?
SC: Trabalhamos com estudantes universitários e observamos grande deficiência de zinco. E, em mulheres, de ferro. Geralmente, as meninas não conseguem ingerir a quantidade adequada de ferro. E a biodisponibilidade do ferro na dieta não é grande. De todo ferro que ingerimos, numa dieta mista, o máximo absorvido é 5%, o que gera um estado de hemoglobina normal, mas pouca reserva. Qualquer imprevisto gera uma carência. Já em outro estudo com mais de cem crianças na faixa dos 9 aos 13 anos, feito em São João da Boa Vista, no estado de São Paulo, constatamos que de 30% a 40% dessa população tem falta de zinco, encontrado na carne e nos cereais integrais. O zinco interfere em quase tudo: no crescimento, porque faz parte da síntese protéica; no sistema imunológico, deixando a criança mais susceptível a infecções; e no desenvolvimento sexual. Nos dois estudos, o que podemos concluir é que, quando a alimentação é monótona, há carência de micronutrientes.

CE: A obesidade, ou sobrepeso, é observada em jovens com carência de micronutrientes?
SC: Muito. Estamos num índice de 12% a 15% de obesidade. E dependendo da região é mais alto ainda. Estamos caminhando para os assustadores 30%. A preocupação maior está nas classes mais baixas, devido ao aumento do consumo de alimentos calóricos, vendidos a preços baixos. O óleo, por exemplo, é barato e acaba sendo muito usado em frituras. O brasileiro tem hábito de comer e beber tudo muito doce. A dieta acaba sendo sobrecarregada de açúcares. Muita massa, cereais refinados, farinha, pães. As classes mais altas estão menos obesas, porque estão mais conscientes.

CE: As classes mais altas alimentam-se melhor?
SC: Sim, porém trabalhos realizados em São Paulo e em regiões do Sul mostram anemias até em famílias com boa renda financeira. A mãe supervaloriza o leite nessa fase. E o leite bovino é pobre em ferro. Nunca uma refeição de salada, arroz, feijão, carne deve ser substituída pela mamadeira. O feijão é excelente fonte de ferro. Se você puser uma fruta rica em vitamina C melhora ainda mais o aproveitamento do ferro. Por outro lado, outro mineral com concentração terrivelmente baixa na população é o cálcio. Há até uma filosofia de alguns nutricionistas que dizem que o leite faz mal. Não é verdade. Algumas pessoas têm problemas em relação ao leite, por causa da lactose. Mas, para aqueles que o aceitam bem, o leite é uma excelente fonte de cálcio e não deve ser substituído pela soja, que na verdade é extrato de soja, e tem um valor nutritivo semelhante ao das leguminosas.

CE: Recentemente, o jornal inglês The Observer publicou uma reportagem sobre um projeto que proíbe a construção de lanchonetes próximas às escolas. A senhora é a favor desse tipo de medida?
SC: A iniciativa de alguns governos de proibir a venda de alimentos dentro ou fora da escola não é a melhor conduta para criar uma alimentação saudável. Nas cantinas escolares, por exemplo, seria melhor conscientizar o dono da cantina da importância de uma alimentação saudável, deixá-lo ter lá o seu refrigerante e o seu chocolate, mas que ele tenha também opção de frutas e sucos. Se a criança ou o adolescente estiver acostumado a ver uma cesta de frutas bonitas, vai passar a comer, principalmente se os seus colegas estiverem comendo. Isso está provado. Agora, se na porta da escola tem ambulante vendendo aquela pipoca vermelha, cheia de corante, e há quem compre...

CE: Normalmente, as cantinas escolares são terceirizadas e oferecem alimentos do tipo fast-food, com alto índice calórico, e outros pratos prontos que estão sempre à mão das crianças. Como a escola pode administrar ou controlar o que é servido na cantina?
SC: Incentivando o dono da cantina a oferecer sucos de frutas, a vender frutas regionais, a eliminar qualquer tipo de fritura do cardápio. Levar os alimentos regionais para as cantinas também incentiva a agricultura local e é muito interessante quando a escola compra alimento direto do produtor. Esse é caminho que eu vejo. O dono da cantina, os responsáveis pela merenda e o próprio professor atuando, mostrando como o que comemos interfere na nossa vida. Para isso, o aluno tem de se sentir parte do processo também. Por isso, plantar, lavar e escolher os alimentos que serão ingeridos é muito importante.

CE: Há quantas anda a questão da merenda orgânica?
SC: Essa história é complicada. Por um lado, a merenda orgânica é interessante, por outro, não está isenta de perigos, podendo causar contaminações perigosas. O orgânico usa como fertilizantes produtos que também são orgânicos. Podem ser fezes de animais que, mesmo tratadas, podem não ser tão bem tratadas e gerar risco de uma contaminação bacteriana, por exemplo. São poucos os produtos que têm o certificado orgânico, que garante o tratamento adequado. A composição do alimento orgânico também é diferente. Se você cultiva uma planta orgânica, ela acumula algumas substâncias em maior quantidade. Substâncias para a sua própria defesa, por exemplo. No entanto, até onde se sabe, uma verdura orgânica e não orgânica são equivalentes para fornecer uma nutrição adequada.

CE: Quais alimentos não podem faltar na cantina e na cozinha de uma escola?
SC: Fruta e verdura. Elas diminuem os riscos de adquirir doenças numa fase mais adulta e oferecem muito mais recursos de nutrientes para enfrentar qualquer tipo de infecção. Porque, além de nutrientes e fibras, as frutas e verduras têm alguns princípios bioativos, que ainda não são considerados nutrientes, mas que podem ajudar a reduzir o risco de doenças. O incentivo ao consumo de frutas e verduras é a melhor coisa a fazer, principalmente nessa fase em que se está formando o hábito alimentar. Claro que isso deve começar em casa, na família. Mas a escola tem um papel importante. Muitas vezes o que chega para nós é o seguinte: comprar verdura e fruta custa caro. Se você comparar com o arroz e o feijão, elas acabam sendo proporcionalmente mais caras. No Nordeste, principalmente, esta problemática é sempre levantada, porque só agora eles passaram a ter uma fonte de produção maior de vegetais. O Sul consome mais frutas e verduras.

CE: Como o professor pode trabalhar esse tema de forma atraente?
SC: A escola pode fazer mais do que uma aula de Biologia ou Ciências. Ela pode traduzir o conteúdo dessas aulas para o cotidiano, explicando a composição dos alimentos que os alunos ingerem e o papel que cada um desses nutrientes exerce. A palavra gordura trans, por exemplo, está em toda margarina. Antigamente, o brasileiro não tinha nem a cultura de ver a data de vencimento dos produtos alimentícios. Hoje a maior parte já checa a validade. Agora, para entender a rotulagem dos produtos, é preciso ter alguma idéia de nutrição. O que significa, para alguém que nunca estudou nutrição, ter tantos gramas de proteínas ou de carboidrato? Os rótulos alimentícios com informações nutricionais só têm utilidade para o consumidor que sabe o que significa cada nutriente. Quem sabe que muitas vezes a gordura trans é substituída por ácidos graxos trans, tão maléficos quanto a primeira?

CE: Falamos do papel da família e da escola na educação e segurança alimentar. E a indústria alimentícia?
SC: Hoje em dia elas estão muito mais conscientes em relação à alimentação saudável. E há uma procura em atender esse conceito colocando no mercado alimentos com menos sal, com menor teor de açúcares. É um incentivo que as pessoas vão incorporando, muitas vezes sem perceber.
http://www.cartanaescola.com.br/edicoes/24/educacao-se-poe-na-mesa


Saiba mais

- Livros
Manual de Gestão Eficiente.
Traz dicas e instruções sobre alimentação escolar para gestores. A distribuição
é gratuita. Mais informações: 11-6877-6677.

- Internet
Ação Fome Zero
www.acaofomezero.com.br;
Associação Brasileira de Nutrição
www.asbran.org.br;
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
www.fnde.com.br

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